História de Onça
Alguém já ouviu falar em onça que correu de medo de um simples humano! Não? Pois bem, a história que contarei pode até soar aos vossos ouvidos como uma inverdade. Até entendo! Não é nada comum ouvir dizer que uma onça, onça pintada mesmo, felino altamente feroz, de atalhassadura mortal, que habita nossa Amazônia, correu de medo de um homem. Mas peço que atentem com carinho essa história.
Tudo começou quando o Arruda – personagem dessa história – resolveu ir juntar uxi, um fruto típico do Pará e de quase toda a região amazônica, que tem uma casca grossa e dura e é oval alongado, mas cujo sabor forte é muito apreciado pelos marajoaras. Nosso “herói” sempre gostou de uma boa aventura pela mata. Gostava de se embrenhar pela selva durante vários dias. Era um prazer a vida de mateiro. Quando não ia caçar, ia catar frutos pela mata.
Mas como disse, nesse dia foi catar uxi, pois era tempo desse fruto.
Quando chegou ao uxizal, lugar bem dentro da mata, onde a vegetação é densa e com muitas árvores altas, como o uxizeiro, castanheira, sumaumeira, andirobeira e muitos outros tipos de arvores daqui dessa região. Começou a juntar os caroços e colocá-los numa sacola, quando de repente ouviu um urro medonho, mas um urro tão forte que lhe subiu um frio na espinha. Mas deixe está! Essa história aconteceu com o Arruda... Permitam-me antes tecer um breve comentário sobre nosso “herói”.
Não o conheci pessoalmente, mas meu pai sim. Para se ter uma idéia, toda vez que meu velho pai contava uma história, esse tal Arruda povoava cerca de noventa por cento delas. O mais interessante de tudo era a capacidade que esse cidadão tinha de se mete em confusão, sempre estava “na hora certa, no certo lugar”. Tinha um dom especial para entrar nas mais estranhas aventuras nessa terra de abençoada. Nem falarei de seu “compadre”, outra figura excêntrica que também possuía tal “dom”. Basta mencionar uma lanterna de 72 elementos que eles fizeram, mas isso é “pano de manga” para uma próxima história.
Voltamos à historia. Pois bem! O Arruda tinha sentido aquele frio na espinha por causa daquele urro que vinha por detrás de um moita. Não dava para ele enxergar o animal que emitira daquele sonoro e aterrorizante urro, muito menos dava para o bicho enxergá-lo. Pensou em correr. Meu Deus do céu, que é isso? Num trouxe nem a espingarda - sua espingarda, outra historia a parte, não era uma lazarina de Alexandre, mas também não negava fogo. Mas como falei o Arruda, é o Arruda.
Resolveu espiar. Arrastou-se por dentro do mato, tal qual um soldado em pleno exercício milenar. Os espinhos furavam-lhe o peito, os galhos puxavam-lhe a roupa, os carapanãs zoavam em seu ouvido. Chegou perto. Olhou entre dois troncos de castanheiras e avistou uma coisa maravilhosa. Pra quem gosta do excêntrico era um prato cheio. O animal que fazia tanto barulho, e que metia tanto medo ao nosso “herói” era uma onça pintada, enorme. O curioso de tudo foi que ele a reconheceu. Era a mesma que lhe dera uma carreira há uns meses atrás, quando caçava com seu compadre. É tu desgramada! É tu mesmo!
Ficou espiando. O felino estava afiando suas unhas numa arvore-de-mosquito, conhecida com carapanaúba, cujo tronco e cheio de frestas grandes, muito parecido com um taperebaceiro. Vocês já apreciaram um gato, um gatinho desses de casa, amolando suas unhas num tapete qualquer? Era mais ou menos isso que a onça estava fazendo. Mas eis que, por ironia do destino, ela engata as duas mãos nas frestas da arvore, bem na frente do Arruda. Ele ficou observando o animal fazendo todos os esforços para se soltar, sem nenhum sucesso. Confirmou que estava realmente presa e não podia sair. Ah! Tu ta presa! Agora tu me paga sua bicha traiçoeira! Saiu da moita e parou bem em frente daquele animal, o qual pouca gente teve oportunidade de ficar frente a frente e voltar para contar a historia. A onça ficou transtornada com a presença dele, urrava, esperneava tentando acertá-lo, porém tudo em vão. Estava realmente presa. Então, ele começou a tirar o cinto do cós, lentamente, sem pressa alguma. Deu uma volta com o cinto na mão, deixando a fivela na ponta oposta e foi murmurando:
- Agora tu me paga! Agora tu me paga, sua desgraça!
Começou a surrar a onça. Deu. Deu. Deu. Acertava pela cara da “bicha”, pelo espinhaço. Deu tanta fivelada no animal que ela se urinou toda. Mas de tanto fazer força que se soltou. Deu um pulo tão grande para trás, caindo de frente pro seu carrasco. Pronto, agora to morto! Pensou. Se eu correr ela me pega! E encorajado pelo temor que lhe afligia deu um grito bem alta:
- Quer mais uma! E amostrava a cinto.
O animal, como que compreendesse o que ele estava falando, sacudiu a cabeça umas quantas vezes, dobrou o corpo, deu outro pulo gigante e desapareceu na mata. Ele se ajeitou, pegou a saca com uxi e rumou para sua casa. Chegando lá tomou um banho e saiu. Foi tomar uma com os amigos e logo que chegou à rodada contou a história para seus parceiros e lógico, ninguém acreditou.
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