quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Poesia da Vida


Ferra no Marajó


No curral o gado,
Na mão o laço,
Numa cabeça o laço gira,
Noutra cabeça o laço para.

No chão o bezerro muge,
Na mão o ferro arde,
Na pele a dor que surge,
Neste triste fim de tarde.

O pelo queima, a pele fere,
Pelo ar um cheiro forte.
O bicho treme e geme
Pensando que é a morte.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Outras Histórias Marajoaras


Outra história de matintaperera

Sempre escuto por aí muitas histórias sobre matintaperera. Que uma foi buscar tabaco na casa de fulano, depois que ele a ouviu assobiar em cima de sua casa. Que outra, perdida deu de cara na fiação elétrica e foi internada  lá na cidade Soure. Que pegaram uma quando a viram, no início do processo de transformação, se enrolando num campo de futebol lá em Salvaterra. Mas essa que lhes contarei aconteceu numa localidade aqui em Cachoeira do Arari. Além de interessante é muito divertida.
Eram dois irmãos. Vou chamá-los de João e Maria em  homenagem àqueles personagens daquela famosa historinha infantil e, também, porque conheço duas crianças muito próximas com esses nomes. Ela três anos mais velha que ele. Crianças com cara de crianças marajoaras, corajosas e destemidas, porque se não fossem essa história não aconteceria.
Eles tinham uma avó que todos diziam se tratar de uma matintaperera velha. Uma senhora acima de qualquer suspeita. Cuidava de todos da casa, ensinando os valores familiares, ia para igreja aos domingos e participava de todas as festividades dos Santos. Além disso, sabia fazer remédios caseiros, garrafadas milagrosas, uma pessoa acima de qualquer suspeita incapaz de fazer mal a qualquer ser humano.
Sempre que as duas crianças ouviam alguém, um colega do grupo onde estudavam, por exemplo, mencionar que sua avó era matinta, procuravam defendê-la, dando toda aquela justificativa que citei no terceiro parágrafo dessa história. Entretanto, ficavam com aquela dúvida. Será que nossa avó é uma tintaperera, Maria? Indagava o irmão mais novo.
Num determinado tempo, já era corriqueiro os boatos sobre a velha. Todos os dias, as pobres crianças ouviam duas  ou mais piadinhas. Quando é que tua avó vai visitar as setes cidades próximas daqui, Maria? Ou. É verdade que quando ela vai virar matinta ele tira a cabeça e a coloca sobre a mesa? Ou.  Ela usa um apito de juiz de futebol para dar aquele assobio medonho? Ou ainda. Lá vem os herdeiros da matinta! Até que um dia resolveram tirar a prova, toda dúvida que eles tinham a respeito da avótinta. Bolaram, então, um plano:
- Joãozinho, vamos ficar de vigia! Cada dia um de nós fica acordado até meia noite para ver se a vó vira mesmo matinta. – É que dizem que a matintaperera começa seu processo de transformação nesse período das onze e meia para meia-noite. E só volta cinco da manhã –. O  plano da menina estava correto. Lá pelo terceiro dia de vigília, Maria ouviu sua avó se mexendo na rede e logo se pegou a observar o movimento. A velha levantou da rede. Maria bateu na rede do irmão que dormia o sono dos justos.
- A vovó se levantou. Murmurou a menina. Vamos seguir ela! Fizeram. A velha desceu a escada da cozinha que dava acesso ao terreiro. Olhou para os lados, como estivesse averiguando se não havia ninguém a observá-la. É agora Maria que ela se transforma, é agora Maria. Dizia aflito, porém bem baixinho, o menino. A velha se pôs atrás de um limoeiro baixinho e frondoso. É agora Maria, é agora! Não parava de falar o moleque. A velha, então, arriou as calças e pôs-se a urinar. Começaram a rir. Rápido a senhora levantou e foi ter com os moleques.
- O que é que vocês estão fazendo? Indagou a velha com um olhar sério no rosto.
- Nada, vó! É que eu tava com vontade de fazer xixi e chamei o Joãozinho pra vir comigo.
- Então façam as suas necessidades e entrem logo! Disse a velha.
Os dois urinaram sem ter vontade de urinar e entraram. Não foi desta vez que viram a avó se transformar e quem sabe um dia veriam.
Passaram-se dias. Já estavam cansadas de vigiar a velha e nada. Maria comentou:
- Não vou mais vigiar a vovó! Ela não é matinta não, João! Ela não é!
- É! Eu também acho que não. Confirmou o menino.
- Vamos deixa a vó em paz!
- É mermo, irmã!
E assim fizeram.
Longo tempo se passou, até que numa noite Joãozinho ouviu a velha se mexer na rede. Ela sentou-se na rede e começou a murmurar, bem baixinho, algo como se fosse uma oração. A velha pegou suas sandálias e as cruzou, deixando-as debaixo da rede. Saiu pé-a-pé, que nem dava para ouvir o ranger das tábuas do assoalho velho. Rumou para a porta da cozinha. Joãozinho bateu na rede da irmã e os dois observavam o movimento da velha. A senhora dirigiu-se em direção à porta da cozinha novamente, desceu a escada e rumo para o terreiro. De vez em quando dava uma olhada para trás. Se dirigiu para debaixo do lavatório. Sem nojo algum começou a se rolar naquela lama fétida – água suja, pois toda a lavagem cai ali –, dando  início ao processo de transformação em matintaperera. Não me perguntem como sei disso, mas é esse o processo. Depois de se sujar bem na lama ela começou a girar e a se debater no chão. Enquanto isso as duas crianças escondidas, observavam pasmadas a avó fazendo toda aquela “misura”. Entretanto não esboçavam nenhum sinal de medo ou pânico. A cada giro que a velha dava no chão ia aparecendo alguma coisa em seu corpo. O cabelo já estava grudado no rosto como se fosse uma máscara negra, as unhas imensas e negras pareciam navalhas. Surgiram debaixo dos braços duas imensas asas que pareciam ser feitas daquela lona preta usada para proteger coisas da poeira. As asas chegavam ao pé daquele monstro, metade pessoa, metade bicho.
Quando estava pronta e aplumada para levantar voo, de súbito, Joãozinho pulou e subiu nas costas da velha e foi logo dizendo.
- Se a senhora vai visitar as setes cidades hoje, eu vou com a senhora!
A matinta surpresa olhou para o menino e respondeu:
- Não, meu neto! Você não pode ir comigo.
- Como não?
- Não tá vendo como estou? Tu não tem medo? Eu faço isso porque eu não tenho escolha! É o meu fado que tenho que carregar.
- Olha vó! Disse o menino. Eu não quero nem saber de fado, só sei que a senhora vai visitar as setes cidade mais próximas daqui e se senhora não me levar, eu vou contar para todo mundo que a senhora é matintaperera. Ainda tem outra coisa. Depois que a senhora me levar, a senhora vai ter que levar a Maria que tá bem ali. Apontando com o indicador para a menina que estava ainda escondida.
A avótinta, vendo que não tinha nenhuma saída, teve que ceder ao pedido do neto. E assim foi. A velha levantou voo com o neto nas costas. Ele ia em estado de graça. Mesmo sendo de noite ele conseguiu tirar grande proveito da situação e se divertiu a beça. Batia nas costelas da velha para ela voar mais rápido. Dava com os calcanhares no vazio da matinta para ela voar mais alto. Depois foi a vez da menina. Foi a mesma emoção e alegria.
Agora todas as vezes que a avótinta tem que se transformar em matintaperera, e isso acontecem uma vez no mês, na lua cheia, ela tem que levar os netos juntos. Senão ela correr o risco de ser descoberta em seu segredo.
Ah! Ia esquecendo. Agora toda vez que falam mal de sua avó, as crianças nem ligam. Sentem até orgulho da avó, pois sabe voar e reparte, mesmo que forçadamente, isso com os netos.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

   
         A verdadeira história sobre o mapinguari

Existem várias lendas dentro do imaginário amazônico. Uma delas é muito presente na vida da população marajoara e também é objeto de estudo de muitos, principalmente, por parte de paleontólogos: a lenda do mapinguari. Quem ainda não ouviu falar? Criatura cuja existência pode ser considerada verdadeira pelo fato de existir registro, de mais 12 mil anos atrás, no período pleistoceno, da presença da preguiça gigante (Eremotheriumlaurillardi), por essa região amazônica.
No imaginário do homem marajoara, entretanto, o mapinguari é um ser protetor da floresta, que não tolera quem a maltrate, principalmente, caçadores cruéis, que não é o caso dessa história. Quando esse ser fica de pé pode chegar até três metros de altura, seus pelos vermelhos, suas garras afiadas, seus pés virados para trás, sua bocarra na barriga, são algumas das características dessa criatura ameaçadora a qual o povo nativo da amazônica aprendeu a respeitar e ter pavor. Embora com toda essa fama, o mapinguari não meteu medo no Compadre do Arruda. Isso mesmo! Ele teve a proeza de descobrir a verdadeira história desse ser místico. Ouçam só essa!
Já comentei em outras histórias que tanto o Compadre do Arruda, quanto o próprio, sempre foram chegados a uma boa caçada. Lembram-se da história da onça? Da lanterna de 72 elementos?Ou, ainda, daquelas caçadas que lhes contei? Pois bem! O compadre do Arruda estava numa dessas aventuras pela mata. Se não me engano estava no rastro de uns caititus. Já estava cansado e já era quase cinco e meia horas da tarde, período mais hostil da floresta, onde começam a aparecer muitas coisas estranhas e se a pessoa não for forte acaba ficando assombrada pelas coisas que ouve. Ele estava no rastro dos bichos desde as duas da tarde. Não suportava mais as dores nos pés. Resolveu, então, parar para dar uma descansadinha na beira de um lago, num lugar bonito, com muitas árvores ao redor. Ficou atrás de um dessas árvores. Tirou os sapatos e observou ao redor. Tudo estava na mais tranquilidade. Mais um segundo e o silêncio se quebraria. Ouviu um grito parecido com o de outro caçador, mas um grito estranho que um tremor tomou conta de seu corpo, que até se podiam escutar os estalos dos ossos, nunca tinha sentido aquela sensação da sua vida. Não pode ser outra pessoa! Não com aquele grito. Rápido se jogou o chão, em posição de um soldado preparado para uma batalha sangrenta, só que com muito mais medo. O que será? Pensava ele, agarrado a sua 20. A Coisa deu mais um grito. Ele, com instinto de caçador que tinha, resolveu espiar, pois se não fosse isso, tinha corrido com mais de mil dali, já que o grito do bicho fazia com que todos os animais se calassem. Não se escutava sequer um calango pisando sobre as folhas secas. Então, levado pela coragem, foi se arrastando, arrumando um ângulo que pudesse ver de que se tratava  até enxergar do outro lado do lago um bicho jamais visto. Animal que de longe lembrava um primata gigante. Tinha a cor escura e, agora, não parava de gritar. Ele ficou completamente apavorado vendo aquele ser, dando gritos sucessivos. Deve ser o mapinguari! Só pode ser o mapinguari! Nenhum caçador que ele conhecia, jamais tinha ficado frente-a-frente com o mapinguarie voltado para contar a história, ou era comido ou ficava com sequelas terríveis e completamente enlouquecido do juízo. Sabia que o bicho não suportava caçadores e devorava todos que pegava. É o meu fim! Pensava o compadre do Arruda.
Passados alguns segundos de sucessivos berros, o bicho deu uma parada. Estava em pé. Dobrou o pescoço de um lado para o outro como se observasse que não havia ninguém por perto. Ficou inerte por uns dois minutos. De repente saiu debaixo daquele monte de pele negra um homem, parecia de longe um índio, um índio muito velho, só uma folha cobria sua vergonha. O compadre ficou abismado com aquilo. O velhinho indígena tirou a folha que cobria suas partes íntimas e se jogou no lago. Ficou boiado, como se ali fosse uma piscina particular. Então, é tu o mapinguari! Disse bem baixinho o compadre do Arruda, com um pequeno sorriso no rosto.
Lembram que falei para vocês que com esses dois não dá para brincar. Logo na frente de quem o mapinguari foi se descobrir. Não teve outra. O Compadre do Arruda saiu bem devagarinho de onde estava, ia praticamente flutuando sobre as folhas e galhos, por entre as arvores, até chegar aonde a capa do mapinguari estava. O índio nem se dava conta de nada. Estava num banho delicioso que parecia estar em outro mundo. Nosso anti-herói observou aquela fantasia, diga-se de passagem, bem elaborada.  Era uma carcaça de uma anta gigante com uma cabeça seca enorme de um queixada, várias camadas couros de antas cobertos por fora com couro de porco-do-mato, as garras eram de onça pintada. Tinha ainda um megafone feito com três coroatás de inajazeiro. Tudo aquilo pesava mais ou menos uns 200 quilos. Como aquele velho índio conseguia carregar aquele troço? Isso sim era de meter medo! Estava escorado em uns galhos. Por isso que o bicho ficou parado por mais de dois minutos! Pensava ele. Então, sem pensar se meteu debaixo da roupa de mapinguari e se pôs a gritar o mais alto que podia. Quando o índio, que tomava banho no lago, viu sua roupa se mexendo e em berros não pensou duas vezes, nadou tão forte para o outro lado do lago, correu para dentro da mata e nunca mais se ouviu falar que o mapinguari comera algum caçador novamente.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

O retorno

Caros leitores e amigos, faz um tempo que não publico uma história, não que não quisesse publicar, mas  porque o tempo estava curto e eu estava finalizando outras histórias para o lançamento do meu livro. Mesmo com esse lançamento nunca deixarei de ser o escritor sem livro. As histórias que foram publicadas nesse blog e outras estarão no livro, outras histórias que virão ainda publicarei no blog, juntamente com outras poemas.
Um grande abraço!

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Outras histórias marajoaras

Não se meta na sorte alheia!


Seu Sumano, como bom  marajoara, sempre gostou de uma sesta depois daquele almoço reforçado, aquele “cardo” de peito de boi.  Pegava  sua rede, descia pra debaixo da  casa... É isso mesmo, não é metáfora não! É que aqui no Marajó, na região de campo dessa imensa ilha, a maioria das casas é do tipo “caneluda”, casas altas, onde uma pessoa  de certa altura pode andar tranquilamente debaixo sem encostar a cabeça no assoalho. Essas casas são construídas assim, porque no “inverno brabo” o campo é inundado pelas águas, por isso elas têm de ser bem altas.
Pois bem! Seu Sumano gostava de “tirar uma perereca” depois do almoço.  Não que fosse  preguiçoso. Longe disso. Era trabalhador. Mas moramos praticamente sobre a linha do equador, a região mais quente do planeta e  com esse tempo quente e abafado é quase que sagrado “esticar” um pouco as costas após a refeição principal do dia. Ele achava, e com toda razão, que depois de tirar leite da búfala, quatro e meia da manhã, fazer queijo, despescar a rede no rio, cuidar de porcos, galinhas, cavalos e muitas outras tarefas durante a parte da manhã, ele podia descansar um pouco. Vocês não acham também? Ele estava corretíssimo! Além disso, ainda tinha aquelas vacas fujonas que atrasavam seu trabalho rotineiro, pois tinha que  buscá-las em outras fazendas distantes da sua “Fazendola”. Ele tinha uma pequena propriedade, chamada Retiro Bom-que-dói.
No entanto não era o que pensava seu primo, conhecido como Tio Branco, “lá das bandas” da Capital do Estado. Ele achava que seu primo marajoara era muito acomodado e quem sabe, em seus pensamentos mais íntimos, um  preguiçoso.
Certa vez, quando Tio Branco veio de Belém com sua família no seu carrinho popular – e que aqui dizia “bão” – por ocasião do Círio do lugar onde morava Seu Sumano, chamou-o e lhe disse – usando logicamente um eufemismo – que  era preguiçoso.
- Primo, eu sou um cara trabalhador, não durmo depois do almoço, porque tempo é dinheiro! Tempo é dinheiro, primo!
Logo ele que também nunca foi chegado ao trabalho, tem as coisas porque herdou de sua mãe. Mas  Seu Sumano nem  ligou, ou melhor, nem entendeu a frase dita por Tio Branco, “tempo é dinheiro, primo”.
Durante o tempo que passou com primo, depois de um café da manhã,  regado a “coalhada”, queijo, ovos de galinha caipira, Tio Branco via seu parente sumir e só chegar na hora do almoço. Ficou inquieto ao ver todo dia a mesma cena: Seu Sumano descendo a escada de sua casa e atando sua rede para dar aquela sesta.
Certo dia vendo aquela arrumação voltou a insinuar dizendo:
- Primo, tempo é dinheiro, hein!
- Como assim Tio Branco?
- É fácil entender o que eu digo!
- Então diga homi!
- Toda vez que o senhor pega essa sua rede e vai se deitar, você poderia estar fazendo outra coisa, qualquer coisa pra aumentar sua renda no final do mês. Dormindo assim não vai ter dinheiro nunca!
- Não quero  muito dinheiro não, quero viver tranquilo. Acho que quem tem muito dinheiro nem dorme direito só pensando dele!
- Deixa de Besteira! Hoje só vive bem quem tem Money!
- Mã...  O quê? Que é isso já?
- Dinheiro meu primo, dinheiro, dinheiro!
Depois que seu primo Tio branca fora embora, o bom marajoara voltou a sua rotina de trabalho e nem pensou mais no que disse seu primo. Mas num dia, assim do nada, Seu Sumano se lembrou das ditas palavras: “tempo é dinheiro”. Ficou pensativo, refletiu, achou uma besteira  ganhar muito dinheiro, nem tinha como gastar tal fortuna. Desistiu de pensar nisso. Outro dia voltou a pensar. Se eu tiver dinheiro posso mandar um dos meus filhos estudar na capital, quem sabe Chiquinho não vira médico! Decidiu tomar a ideia de seu primo como fosse sua. A partir de amanhã não durmo mais depois da boia, mudou de atitude o homem.
No dia seguinte acordou esperançoso, com a mudança em sua vida. Fez todas as suas tarefas sempre na mesma sequência. Chegou a hora do almoço. Feijão da colônia com charque, bucho e tudo mais, carne assada de panela, apurada na gordura, arroz paraense. Acabou o almoço. Por força do bendito hábito pegou sua rede e quando ia descendo lembrou-se da mudança. Não, hoje não vou dormir! Vou arrancar umas “sarsas”, para plantar milho! Pensou alto Seu Sumano.
Deixou sua redinha e saiu para limpar uma área perto da casa, que ficava fora da cerca. Foi se arrastando, com o bucho “por ali”. Tirou uns dez pés ou um pouco mais que isso da planta cuja raiz e extremamente segura na terra. Tinha que fazer muita força. Quando, de repente sentiu fortes dores no estômago. Tentou se equilibrar. Sua vista escureceu.  Seu filho Chiquinho que olhava orgulhoso o pai do pátio de casa viu seu velho cair e chamou sua mãe. Correram pra lá. Tentaram reanimá-lo, contudo foi em vão. Ele pegou uma congestão tão forte que não resistiu e morreu logo em seguida.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Memórias

Velha infância

De vez em quando gostaria
De voltar a ser criança!
Que rotina, quem não queria?
Difícil rotina! Que lembrança!

Brincar de bola todo dia;
Brincar peteca: valendo carteira de cigarros,
no triângulo, na bozoca, paga cuspe;
Brincar de polícia e ladrão;
Brincar de betz ou taco;
Brincar de tec-tec;
Brincar de rodar o pião na mão;
Brincar de piras: esconde, pega, alta, cola;
Brincar com os amigos da escola
Brincar de bandeirinha;
Brincar de pula corda;
Brincar de fura-fura;
Brincar de corrida de tampinha;
Brincar de tomar banho no rio
Brincar de brincar, brincar de correr;
Brincar de tomar banho de chuva;
Brincar de barco com um pedaço de madeira;
Brincar de cair. Se ferir e passar terra pra sarar rápido
Brincar, brincar, brincar... De qualquer maneira!

É...! É muito bom ser criança!
É pena ver hoje em dia
Crianças cheias de alergia
Que nem sabem
Que brincadeiras são essas.
Se soubessem ficariam alegres a beça.


quinta-feira, 21 de abril de 2011

Outras histórias majoaras


“O se faz aqui, ainda se paga aqui!”

Não sei por que quando se é criança a gente gosta de desafiar os mais velhos. Talvez seja o fato de acharmos que sabemos aquilo que não sabemos. Isso é completamente normal para o ser humano, pois nós aprendemos com nossos erros. Não que desafiar outros signifique, propriamente, um erro, às vezes é necessário o confronto, o choque de opiniões para se acabar com certas injustiças. Entretanto, certos afrontamentos com os mais velhos podem mais tarde, muito mais tarde, se tornarem castigos. Como diz o velho ditado popular: “pagar na mesma moeda”. Aconteceu algo parecido aqui no Marajó.
Tio Juca era um senhor de idade e com dificuldade para enxergar. Numa manhã chuvosa, ele foi a um comércio, no qual trabalhava um rapaz esperto e “cheio de graça”. O ancião chegou ao estabelecimento, tirou as botas para poder entrar, pegou um tabaco de onça na prateleira empoeirada e foi pagar.  Meteu a mão no bolso da camisa com aquela dificuldade que todo idoso tem, puxou o dinheiro do bolso, trouxe a mão para bem perto do rosto, apertou os olhos para ver melhor a nota. Dez reais. Foi aí que o rapaz confirmou o que havia dito anteriormente a seu respeito. Falou, com ar de deboche, para o pobre velho:
- Ei tio, eu pensei que pra gente enxergar, a gente abria o olho e não fechasse!
No exato momento em que o jovem acabou a caçoada, Tio Juca lembrou-se de um caso que acontecera com ele há muito tempo atrás.
Tinha mais ou menos dez anos quando aconteceu o tal caso.  Seu pai pediu-lhe para ir à taberna comprar uns condimentos que faltavam para o almoço. O menino retrucou o mandado, pois estava saindo com uns amigos para jogar bola. O pai mandou a segunda vez, já com a ameaça de que se não fosse levaria uns cascudos. Revolveu ir. Batia os pés com força no chão, resmungava coisas que ninguém nesse mundo entendia e foi andando. Dizem que as crianças marajoaras são mais arredias e teimosas que outras e que gostam de se aventurar em meio aos búfalos, tomar banho em rampas – grandes buracos feitos por máquinas para tirar piçarra e que são inundadas no inverno – e isso é bem verdade. Nossos “bacuris” são, certas vezes, mal criados, mas são apenas crianças. Nada que umas boas palmadas, na hora certa, não resolvam.
 Bom! Seu pai havia pedido que comprasse uma cabeça de alho, um pacote de pimenta-cominho, uma quarta de óleo, uns ovos e dois quilos de farinha.
Chegando lá fez o pedido e aguardou com aparente impaciência a paciência secular do taberneiro, um senhor de idade e com certa dificuldade de enxergar. Talvez vós não saibais da dificuldade de hoje – século XXI – para se conseguir um médico oculista aqui na nossa região, imaginem naquela época. Quando se quer resolver o problema da falta de óculos, procura-se um parente que tenha uns usados, sem uma perna, talvez, ou bastante danificados e que, às vezes, nem é o grau que a pessoa precisa, mas coloca-se um elástico de roupa e pronto já dá para “quebra o galho”. Isso era o que acontecia com o pobre senhor taberneiro. Os óculos caiam-lhe do rosto. Sabe-se lá de quem era aquele fundo de garrafa o qual usava. Juquinha perscrutava o semblante do velho e não entendia, ainda, do assunto. Achava que o velho estava fazendo manha ou era lerdo ou preguiçoso. Será que esse velho lerdo vai demorar, tenho que voltar pro jogo. Pensava com gestos e atitudes.
Depois de ser atendido, puxou do bolso as moedas que lhe foram dadas e que somavam cinquenta cruzeiros. Vou dar só a metade pra esse velho! Ele não enxerga mesmo! Pensou o menino, percebendo que a deficiência do velho taberneiro era muito mais séria do que pensava. Já dava para comprar um pião daquele rachador com os vinte e cinco que sobravam. Acho que vai dá certo, elucubrou o menino. Então colocou em prática o que havia planejado. O míope taberneiro pegou as moedinhas e, para ver melhor o quanto o moleque havia lhe dado, trouxe a mão para perto do rosto. Foi nesse momento que Juquinha, percebendo a chance de enganar definitivamente o pobre senhor, soltou a frase debochante:
- Eu pensei que pra gente vê, a gente abria o olho e não fechava! E deu uma gargalhada assustadora!
O pobre velho envergonhado guardou as moedas na gaveta e disse que estava tudo certo.
Juquinha saiu feliz da vida com o pequeno golpe que aplicara. Deixou as comprinhas na sua casa e foi se encontrar com seus amigos. Chegando lá, se vangloriava do feito.  Para ele, um ato heróico clássico.
Mas voltando aos dias atuais! Tio Juca saiu do comércio, foi para sua casa e pediu para o neto conferir o troco que recebera do moço do caixa. E pra sua surpresa, havia uma nota de dois reais e uma moeda de cinqüenta centavos, e o tabaco de onça custava dois e cinquenta.



terça-feira, 5 de abril de 2011

Memórias

A primeira “mucura” a gente nunca esquece!

A primeira vez que vim a Retiro Grande foi no ano de 93, não sei bem o mês, mas quando lembrar citarei na próxima memória. Vim com alguns amigos que estudavam comigo em no Ademar de Vasconcelos, fazíamos o 1º ano.  Um deles era filho daqui, então foi fácil descobrir o “caminho das pedras” para esse paraíso de tranquilidade.
 Lembro como se fosse hoje. Embarcamos em um ônibus o qual todos os dias fazia viagem para esses lados.  Batizamo-o de “transamarrado”, já que era um ônibus muito velho, todo amarrado com tiras de câmara de bicicleta em todas as partes, aquelas mesmas que usávamos para amarrar nossas baladeiras.  Tinha que ser assim, quem em sã consciência iria colocar, naquela época, um ônibus novo para fazer essa linha com as péssimas condições da estrada. Vir para cá, nesse ônibus, era uma aventura sem igual. Nós éramos cinco e nenhum de nós, exceto nosso anfitrião, tinha visitado esse lado do Marajó. Sabíamos que era um lugar de campo, onde as pessoas viviam da agropecuária, que tinha muitas fazendas e, claro, muitas meninas bonitas.
Saímos umas onze horas rumo ao nosso destino. A viagem era longa devido às muitas paradas que íamos fazendo nas diversas localidades, tanto de Salvaterra, quando de Cachoeira, mas era vista sempre aquele ar de aventura. Chegamos umas duas horas da tarde na casa de nosso amigo e anfitrião. Deixamos nossas coisas num quarto e fomos almoçar. Almoçamos aquele frito do vaqueiro. Passados alguns minutos tomamos aquele leite fervido com farinha d’água e uns pedaços de queijo do Marajó. Descansamos um pouco e lá pelas quatro horas conseguimos arrumar uns cavalos para montar. Eram legítimos cavalos marajoaras.  Eu não sei bem diferenciar essas raças, mas os marajoaras são um pouco menores do que os outros, mas em compensação são muitos resistentes. Arranjamos um “cardão” e um “melado”. Não eram bonitos e tive a impressão de serem de boa idade, mas como diz o ditado: “cavalo dado não se olha o rabo!”. Saímos para dar umas corridas pelos os campos de Retiro Grande, campos limpos, que fascinavam nossos olhos. Ainda não tinham esse emaranhado de cercas. As casas, umas longe das outras, pareciam estar dentro de um mesmo quintal e por muito tempo continuaram assim, até chegar a ganância e a ambição no coração de algumas pessoas. Bom! Mas não vim falar disso! Como estava dizendo! Pegamos esse dois cavalos para dar algumas voltas. Caímos umas quantas vezes. Brincamos de guerra de merda de boi seca. Foi uma diversão. Tudo era novo. Aquela quantidade de búfalos pastando logo ali pertinho da gente, gado comum, cabras, bodes, pássaros de todos os tipos. Um lugar tão excepcional que me fez pensar: “não teria dificuldade nenhuma de um dia morar aqui”.
Quando chegou a noite soubemos de uma “mucura” – pequena festa arrumada as pressas com o intuito de vender algumas cervejas – que ia acontecer ali perto de onde estávamos. Seria a oportunidade de conhecer as tais meninas de Retiro Grande. Caminhamos ruma à festa, mas o mais interessante era que não ouvíamos quase nada da música que a animava. Íamos nos aproximando da festa e nada de ouvirmos um ruído sequer. Entramos na festa e percebemos um som baixinho, bem diferente daquele que tocava lá em Salvaterra, na quadra do Arco-íris. A aparelhagem era um micro system, duplo deck, e o DJ se virava com as fitas para que a música não parasse de tocar. Pedimos uma bebida e ficamos apreciando o movimento. Olhávamos para todos os lados e nada de enxergarmos uma presença feminina na festa. Até que avistamos uma, mas ela estava cercada por uns vaqueiros, que a tiravam para dançar toda hora. Não quisemos entrar na disputa, afinal não éramos do lugar e isso poderia nos causar algum transtorno. Ficamos esperando aparecer mais algumas meninas, porém fui tudo em vão. Nada.
            O melhor de tudo isso foi que nesse dia conhecemos a hospitalidade do povo Cachoeirense que nos tratou muito bem. O dono da festa nos ofereceu umas bebidas grátis e um tira-gosto de porco. Até quem não comia carne de porco, nesse dia comeu. A festa chegou ao final e mais nenhuma mulher veio dar o ar de sua graça, só aquela que dançava com os vaqueiros. Saímos decepcionados, mas felizes, afinal participamos de nossa primeira “mucura” no Marajó.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Poesia da vida

Urubu do ver-o-peso II

Quem o convidou foi seu primo marajoara.
- Lá a comida é de primeira, tudo é fartura!
Morrem no verão os búfalos, tamanha terra dura
E os peixes, já não escutam o canto da “uiara”.

- Seu lugar deve ser um lugar muito agradável!
- Diria que é um paraíso urubuzino formidável!
- Até lá, qual distância seria? Pode ser mensurável?
- Não te preocupes, sou companhia amigável.

O vaqueiro observando uma vaca atolado à beira do lago,
É o primeiro sinal que chegaram à morada do primo.
Mais a frente outro animal fraco, arregala os olhos
Ao perceber que alguns urubus jogam pôquer ao seu lado
Como se soubessem a hora do fim, por Deus dado

Carne e mais carne. - Que tanta fartura é essa?
- Coma devagar primo! Calma! Não tenha pressa!

Dias. Meses se passaram, mas ele não estava alegre.
Tinha um vazio existencial dentro da alma.
- O que foi primo? Não gostaste da linda paisagem?
- Sabe o que é, primo! Aqui se come muito, tem muita calma!
Mas vou volto hoje pro ver-o-peso, gosto mesmo é da sacanagem.

sábado, 12 de março de 2011

Outras histórias Marajoaras

Os bichos encantados do Marajó


Baixando o rio, em direção a Laguna, uma localidade distante de Breves, já “pras bandas” de Portel,  ia Tio Cabra com sua família, numa canoa a remo. Iam  fazer farinha para trocar com alguma comida. No entanto, o que mais nos interessa é o fato ocorrido no caminho da jornada da família Soares até seu destino. Por favor, não se espante com o caso que vou lhes contar. Alguns podem achar que é uma inverdade, mas para os moradores do outro lado dessa imensa ilha é verossímil o que conto.
De onde moravam, até onde iam fazer a tal farinha d’água, eram seis horas de remo, isso a favor da maré, o “caboco” tinha que ser bom de braço pra garantir a jornada. Antes que me perguntem, para que tanto sacrifício? É que nessa época se praticava aquela velha pratica de troca de alimento. Era muito comum a troca de comida, um alqueire de farinha por um fardo de jabá, por exemplo, entre os moradores vizinhos. Isso mesmo, apesar da distância, as pessoas costumam tratar as outras conhecidas de vizinhos. Eu mesmo tenho uma vizinha que mora no Camará, um lugar a mais ou menos 15 km de onde moro. Toda vez que ela me encontra solta aquela frase agradável aos ouvidos, em meio um sorriso sincero: - Ei vizinho!
Pois bem! No meio da viagem, eles pararam numa casa a beira do rio para esquentar a comida que levavam.  Tinham  saído cedo por causa da maré. Era quase meio dia, precisavam  parar e comer alguma coisa.
Tio Cabra encostou a canoa na ponte, uma tora de madeira escorada no barranco do rio. Gritou  para verificar se havia alguém na casa e ouviu  uma resposta. Desceu sozinho. Aproximou-se da casa. Parecia deserta. Pensou que se tratava de uma “tapera” – casa abandonada no meio da mata cuja crendice popular afirma ser mal assombrada, porque todos que ali moravam já morreram – mas havia fumaça saindo por detrás da casa, então havia alguém ali. Deu outro um grito:
- Ô di casa! E ouviu de imediato um “pode entrar!”.
Gritou outra vez:
- Ô di casa! E ouviu novamente a frase:
 Mas não enxergou ninguém. Será visagem que mora nessa tapera? Pensou o intruso.
Subiu os primeiros de graus da escada da casa, olhando pra cima, de um lado para o outro e não enxergava ninguém. Falou mais uma vez:
- Ô di casa!
E bem perto do seu ouvido, escutou aquela resposta. Nessa hora arrepiou-se. Todos os cabelos da cabeça ficaram para cima, sumiu até a cor do beiço. Quando levantou a cabeça avistou um papagaio. Não sou expert no assunto, mas se tratava de um daqueles de testa amarela, que aprendem a falar tudo e facilmente. Ficou impressionado. E não é pra menos. Como um animal daquele podia ser tão esperto, tão sabido?
- Cadê teu dono? Perguntou Tio Cabra.
E ouviu do empenhado:
- Tá pra roça, curupaco, tirando mandioca, curupaco! Disse o bicho.
Pensou já ter visto tudo na vida, mas isso ficaria marcado para sempre na sua memória. Depois de refletir, rapidamente, sobre o acontecido, voltou à realidade e lembrou-se que estava ali para arrumar fogo para esquentar a comida que traziam.
 Olhou para fogão de lenha onde uma panela fervia incessantemente. Devem ter deixado a comida aprontando. Não estavam, então, tão longe os moradores daquele lugar misterioso. Chamou sua esposa que aguardava uma resposta para o pequeno entrave:
- Ei mulher, traz a comida pra esquentar, aqui tem um fogo pronto!
Ficou esperando ela chegar. Enquanto esperava, bateu no bolso da camisa, procurando o tabaco para enrolar um porronca. Achou o tabaco. Pegou a palha do milho, usado como abade e começou a enrolar. Passou a língua para grudar a palha. Bateu novamente nos bolsos, agora procurando fósforo, que por acaso não trouxera e de repente ouviu o tal papagaio gritar:
- Chico, Chico traz o fogo pro homi, curupaco!
Nessa hora pensou ser brincadeira, uma brincadeira de muito mau gosto. Até riu meio sem graça. Mas eis que de dentro da mata surge um macaco prego, aparência de primata bem velho. Foi até o fogão de lenha e pega um tição. Coloca-o  bem na frente do assustado visitante, na posição exata para acender o cigarro de palha. Tio cabra ficou estático, pensando se aqueles animais não seriam encantados, pessoas que sofram transformadas naqueles bichos. Não havia uma explicação para aquilo. Procurou uma resposta, não a encontrou. Disse obrigado e da ave ouviu um “de nada!”.
Quando pensou já ter acabado aquele momento, mistura de emoção e medo, um momento “fantasmático”, o animal empenado deu uma ordem ao peludo, dizendo:
- Chico tá acabando o fogo, curupaco, coloca lenha, coloca lenha curupaco!
O macaco prontamente pula do beiral da casa, pega um pedaço de perna de calça, tira a panela de cima do fogo, pega uns pedaços de lenha pronta que se encontravam de baixo do fogão e coloca em cima da brasa ardente, coloca novamente a panela, começando a abanar com abano de palha até o fogo estalar.
Isso foi demais para Tio Cabra e sua mulher que observavam toda aquela arrumação.
- Vumbora mulher, só pode ser coisa doutro mundo! Disse o marido muito assustado.
Pegaram suas coisas e saíram às pressas daquele lugar e nunca mais voltaram lá. Dizem que não voltaram porque nunca mais encontraram a tal tapera. Ela desapareceu, como imaginação nas curvas dos rios desse imenso Marajó.




quinta-feira, 3 de março de 2011

Outras histórias Marajoaras

A lanterna do compadre do Arruda

     Todos se espantaram quando o galo cantou tamanha nove horas da noite. Ainda estavam todos numa roda de conversa, daquelas depois do trabalho. Acharam estranho, como um galo poderia se enganar em sua função primeira, que é despertar o homem trabalhador na hora exata, antes mesmo do sol mostra seus primeiros raios? Mas o Arruda veio logo com explicação para tal devaneio daquele galináceo cantador, cujo canto desencadeou um coro eufórico de outros de sua espécie e foi uma cantoria geral, como se fosse cinco da matina. Só pode ser meu compadre!  Comentou o Arruda.
     - Como assim teu compadre, Arruda? Indagou o colega de copo.
     - Ele disse que ia caçar hoje! Respondeu nosso “herói”!
     - Mas o que a caçada dele tem haver com o canto do galo? Quis saber outro amigo.
     O compadre do Arruda é mais cheio de presepada que o próprio. Sempre que ia caça levava uma lanterna que ele mesmo fizera, depois de muitas “erradas”, por causa de outra, toda velha e descascada, resolveu montar uma que tivesse muita potencia e um foco que não o fizesse errar mais nenhum tiro. Assim como seu compadre, era um exímio caçador. Contudo de uns tempos pra cá errava o bicho a um palmo. Culpava a lanterna, claro. Já viram algum caçador assumir que errou um tiro de tão perto – só quem não errava um tiro era Alexandre, personagem daquele escritor famoso, que tinha a tão famosa lazarina que não espalhava chumbo. Sempre tem que ter um desculpado nessas histórias, ou foi o vento, o animal foi rápido e assim por diante. Mas antes que me perguntem o que esse tal farolete tem haver com o canto do galo, que era o foco inicial dessa história. Basta ter paciência e observa o resto do raconto.
     Na primeira caçada do compadre do Arruda com sua lanterna nova já deu muito o que falar. Ele estava no mutá, ouvindo os rastros de uma paca. Pra quem não sabe nade de caçada, assim como eu, fui pesquisar, perguntar para quem está acostumado nessa atividade, o que era um mutá. Explicaram-me que se tratava de local, feito entre duas árvores, não muito grandes, nas quais se colocam, entre elas galhos fortes, tipo um trave de futebol, só que com o travessão com dois ou mais galhos, onde o caçador fica no alto, esperando sua caça. Pois bem, lá de cima ele ouviu a paca na comidia, armou a espingarda – calibre 20 –, colocou a lanterna em cima da espingarda e mirou, segurando-as juntas. Mas para sua surpresa, quando ligou o artefato luminoso, um raio de luz muito forte foi em cheio na cara da paca, assando-a na hora, isso mesmo, nem foi preciso apertar o gatilho, a paca morreu com a cara toda queimada. Acontece que essa lanterna nova do compadre do Arruda foi projetada, com apenas 72 elementos, isso mesmo 72 pilhas. Calculando... 72 vezes 1,5 volts, dá mais ou menos 108 v. Uma boa potência! Não é? Não me perguntem como ele conseguia carregá-la, pois isso faz parte do encanto da narrativa, mas ela tinha tanta potência que queimava tudo o que focava.
     Desde essa primeira experiência com a lanterna, o compadre do Arruda ia caça e já não levava mais a espingarda. Matava pássaros, cutia, veado, queixada, até onça ele matou com sua lanterna megaultrapowerpotente e trazia suas caças tudo assado.
     Ah, sim! Já ia esquecendo do galo. Pois é, essa foi a explicação que o Arruda deu para seu colegas de rodada. É que quando seu compadre ligou a lanterna, devia estar focando em algum macaco prego, lá onde caçava, a uns dez quilômetros dali, confundiu o galo que pensou estar atrasado em suas obrigações deixado por Deus, e começou a cantar desesperadamente atiçando os outros.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Primeiros sonetos

Não sei se já perceberam que gosto de sonetos. Acho, assim como muitos autores, que eles são a forma mais perfeita que o poeta tem para escrever suas poesias. Comecei a admira-los quando li Vinicius de Moraes. Mais tarde quando estava no curso de letras comecei a ler os sonetos de Camões e fiquem cada vez mais fã desse jeito de escrever.
Os sonetos abaixo foram os quatro primeiros sonetos que escrevi , percebam neles um pouco da influência dos autores que acima citei.
Espero que gostem!


Soneto I

Sempre quando volto à lembrança
Sinto meu corpo em plena sintonia.
Sinto o mais frio de minha agonia
E espero o que chamam esperança.

Quero que a dor do meu peito
Seja a mão de quem tanto amo
E o afago perdure um inteiro ano
Mas sei, o amor foge desse jeito.

Talvez seja lembrança do teu rosto.
Alguém me traga ao peito essa musa!
Para que eu possa finalmente sorrir.

E ver toda Minh’ alma respirar o gosto.
Contudo, se a vida me agride e usa
Não posso ir mais adiante do que vivi.


Soneto II


Seus olhos refletem o amanhecer.
Sua pele é sinônimo de volúpia ardente.
A proximidade de seu corpo faz-me quente,
Deixando-me desvanecido de tanto prazer

A lembrança do seu rosto sereno
Entristece-me e logo obstante
Embora o tempo seja o instante
Nesse momento torna-se o veneno

As duras penas desvendo os olhos tristes.
Faço desse amor apenas necessidade
E a vontade personagem dum duro drama

Jamais meus olhos lúcidos vistes,
Nem meu corpo despejar ingenuidade
Por isso vivo apegado em minha trama.


Soneto III
(Soneto para Daniela)

Tão linda já te imaginava e sonhava
Desde o iluminado ventre percebia
Da formosura de onde saia, pensava
Serás entre as rosas a mais bela vinda

Da sua fragilidade sou responsável
Da sua suave pele sinto a macieis
Do teu corpo angelical vejo alvidez
E dos olhos teus sois amável


Como Midas, para mim tudo que tocas
Da minha vida será preciosidade
Pois meu coração o carinho contenta

Um pedido a Deus peço em rogas
Cresça com meu afago e felicidade
E que esse peito de amor por ti arrebenta.


Soneto  IV
(Soneto para Maria)

Da mesma forma de outra vinda
Mas tu chegaste em um dia santo
Esperei por ti com os olhos em pranto
E pedi a Deus que fosse linda

Iguais aos meus são teus cabelos negros
Em ti também figura a mesma palidez
Da angelical cor que tens a alvidez
E teus olhos grandes sopram meus segredos

Não posso esconder o quanto te amo
E assim serão felizes todos meus dias
E se, por acaso, me perder, terás um plano.

Então retornarei com toda vontade
Enxugando minhas lágrimas com teu pano
Pois serás para sempre minha felicidade.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Poesia da Vida

“Ser ou não ser?” um cachorro!

Às vezes eu queria ser um animal!
Um cachorro, por exemplo, que deitado
Ali em frente da casa que não é sua
Olha para o nada, a procura de não sei o quê,
Mas que não me parece solução racional.
Do tipo, pagar suas contas. Sabes por quê?

Porque suas contas não vencem amanhã.
Até porque não tem contas!  E nem faz conta
Que sem contas, nada contra, tudo conta a seu favor.
Não se aborrece com vizinhos e suas risadas
Ou entristecesse com as atrapalhadas do amor.

Mas, também, às vezes não queria sê-lo.
Porque às vezes me vejo a detê-lo.
Privo-o, com um alto grito, seu sono,
Enxotando, que dorme, o amigo do homem
Aqui em frente da casa da qual sou dono
De repente não o vejo.  Em disparada, somem.

“Ser ou não ser?” um cachorro!
Que difícil decisão ser, por mim, tomada.
Não pagar contas, dormi despreocupado,
Ou, de súbito, de mim levar uma pancada!