quarta-feira, 23 de março de 2011

Poesia da vida

Urubu do ver-o-peso II

Quem o convidou foi seu primo marajoara.
- Lá a comida é de primeira, tudo é fartura!
Morrem no verão os búfalos, tamanha terra dura
E os peixes, já não escutam o canto da “uiara”.

- Seu lugar deve ser um lugar muito agradável!
- Diria que é um paraíso urubuzino formidável!
- Até lá, qual distância seria? Pode ser mensurável?
- Não te preocupes, sou companhia amigável.

O vaqueiro observando uma vaca atolado à beira do lago,
É o primeiro sinal que chegaram à morada do primo.
Mais a frente outro animal fraco, arregala os olhos
Ao perceber que alguns urubus jogam pôquer ao seu lado
Como se soubessem a hora do fim, por Deus dado

Carne e mais carne. - Que tanta fartura é essa?
- Coma devagar primo! Calma! Não tenha pressa!

Dias. Meses se passaram, mas ele não estava alegre.
Tinha um vazio existencial dentro da alma.
- O que foi primo? Não gostaste da linda paisagem?
- Sabe o que é, primo! Aqui se come muito, tem muita calma!
Mas vou volto hoje pro ver-o-peso, gosto mesmo é da sacanagem.

sábado, 12 de março de 2011

Outras histórias Marajoaras

Os bichos encantados do Marajó


Baixando o rio, em direção a Laguna, uma localidade distante de Breves, já “pras bandas” de Portel,  ia Tio Cabra com sua família, numa canoa a remo. Iam  fazer farinha para trocar com alguma comida. No entanto, o que mais nos interessa é o fato ocorrido no caminho da jornada da família Soares até seu destino. Por favor, não se espante com o caso que vou lhes contar. Alguns podem achar que é uma inverdade, mas para os moradores do outro lado dessa imensa ilha é verossímil o que conto.
De onde moravam, até onde iam fazer a tal farinha d’água, eram seis horas de remo, isso a favor da maré, o “caboco” tinha que ser bom de braço pra garantir a jornada. Antes que me perguntem, para que tanto sacrifício? É que nessa época se praticava aquela velha pratica de troca de alimento. Era muito comum a troca de comida, um alqueire de farinha por um fardo de jabá, por exemplo, entre os moradores vizinhos. Isso mesmo, apesar da distância, as pessoas costumam tratar as outras conhecidas de vizinhos. Eu mesmo tenho uma vizinha que mora no Camará, um lugar a mais ou menos 15 km de onde moro. Toda vez que ela me encontra solta aquela frase agradável aos ouvidos, em meio um sorriso sincero: - Ei vizinho!
Pois bem! No meio da viagem, eles pararam numa casa a beira do rio para esquentar a comida que levavam.  Tinham  saído cedo por causa da maré. Era quase meio dia, precisavam  parar e comer alguma coisa.
Tio Cabra encostou a canoa na ponte, uma tora de madeira escorada no barranco do rio. Gritou  para verificar se havia alguém na casa e ouviu  uma resposta. Desceu sozinho. Aproximou-se da casa. Parecia deserta. Pensou que se tratava de uma “tapera” – casa abandonada no meio da mata cuja crendice popular afirma ser mal assombrada, porque todos que ali moravam já morreram – mas havia fumaça saindo por detrás da casa, então havia alguém ali. Deu outro um grito:
- Ô di casa! E ouviu de imediato um “pode entrar!”.
Gritou outra vez:
- Ô di casa! E ouviu novamente a frase:
 Mas não enxergou ninguém. Será visagem que mora nessa tapera? Pensou o intruso.
Subiu os primeiros de graus da escada da casa, olhando pra cima, de um lado para o outro e não enxergava ninguém. Falou mais uma vez:
- Ô di casa!
E bem perto do seu ouvido, escutou aquela resposta. Nessa hora arrepiou-se. Todos os cabelos da cabeça ficaram para cima, sumiu até a cor do beiço. Quando levantou a cabeça avistou um papagaio. Não sou expert no assunto, mas se tratava de um daqueles de testa amarela, que aprendem a falar tudo e facilmente. Ficou impressionado. E não é pra menos. Como um animal daquele podia ser tão esperto, tão sabido?
- Cadê teu dono? Perguntou Tio Cabra.
E ouviu do empenhado:
- Tá pra roça, curupaco, tirando mandioca, curupaco! Disse o bicho.
Pensou já ter visto tudo na vida, mas isso ficaria marcado para sempre na sua memória. Depois de refletir, rapidamente, sobre o acontecido, voltou à realidade e lembrou-se que estava ali para arrumar fogo para esquentar a comida que traziam.
 Olhou para fogão de lenha onde uma panela fervia incessantemente. Devem ter deixado a comida aprontando. Não estavam, então, tão longe os moradores daquele lugar misterioso. Chamou sua esposa que aguardava uma resposta para o pequeno entrave:
- Ei mulher, traz a comida pra esquentar, aqui tem um fogo pronto!
Ficou esperando ela chegar. Enquanto esperava, bateu no bolso da camisa, procurando o tabaco para enrolar um porronca. Achou o tabaco. Pegou a palha do milho, usado como abade e começou a enrolar. Passou a língua para grudar a palha. Bateu novamente nos bolsos, agora procurando fósforo, que por acaso não trouxera e de repente ouviu o tal papagaio gritar:
- Chico, Chico traz o fogo pro homi, curupaco!
Nessa hora pensou ser brincadeira, uma brincadeira de muito mau gosto. Até riu meio sem graça. Mas eis que de dentro da mata surge um macaco prego, aparência de primata bem velho. Foi até o fogão de lenha e pega um tição. Coloca-o  bem na frente do assustado visitante, na posição exata para acender o cigarro de palha. Tio cabra ficou estático, pensando se aqueles animais não seriam encantados, pessoas que sofram transformadas naqueles bichos. Não havia uma explicação para aquilo. Procurou uma resposta, não a encontrou. Disse obrigado e da ave ouviu um “de nada!”.
Quando pensou já ter acabado aquele momento, mistura de emoção e medo, um momento “fantasmático”, o animal empenado deu uma ordem ao peludo, dizendo:
- Chico tá acabando o fogo, curupaco, coloca lenha, coloca lenha curupaco!
O macaco prontamente pula do beiral da casa, pega um pedaço de perna de calça, tira a panela de cima do fogo, pega uns pedaços de lenha pronta que se encontravam de baixo do fogão e coloca em cima da brasa ardente, coloca novamente a panela, começando a abanar com abano de palha até o fogo estalar.
Isso foi demais para Tio Cabra e sua mulher que observavam toda aquela arrumação.
- Vumbora mulher, só pode ser coisa doutro mundo! Disse o marido muito assustado.
Pegaram suas coisas e saíram às pressas daquele lugar e nunca mais voltaram lá. Dizem que não voltaram porque nunca mais encontraram a tal tapera. Ela desapareceu, como imaginação nas curvas dos rios desse imenso Marajó.




quinta-feira, 3 de março de 2011

Outras histórias Marajoaras

A lanterna do compadre do Arruda

     Todos se espantaram quando o galo cantou tamanha nove horas da noite. Ainda estavam todos numa roda de conversa, daquelas depois do trabalho. Acharam estranho, como um galo poderia se enganar em sua função primeira, que é despertar o homem trabalhador na hora exata, antes mesmo do sol mostra seus primeiros raios? Mas o Arruda veio logo com explicação para tal devaneio daquele galináceo cantador, cujo canto desencadeou um coro eufórico de outros de sua espécie e foi uma cantoria geral, como se fosse cinco da matina. Só pode ser meu compadre!  Comentou o Arruda.
     - Como assim teu compadre, Arruda? Indagou o colega de copo.
     - Ele disse que ia caçar hoje! Respondeu nosso “herói”!
     - Mas o que a caçada dele tem haver com o canto do galo? Quis saber outro amigo.
     O compadre do Arruda é mais cheio de presepada que o próprio. Sempre que ia caça levava uma lanterna que ele mesmo fizera, depois de muitas “erradas”, por causa de outra, toda velha e descascada, resolveu montar uma que tivesse muita potencia e um foco que não o fizesse errar mais nenhum tiro. Assim como seu compadre, era um exímio caçador. Contudo de uns tempos pra cá errava o bicho a um palmo. Culpava a lanterna, claro. Já viram algum caçador assumir que errou um tiro de tão perto – só quem não errava um tiro era Alexandre, personagem daquele escritor famoso, que tinha a tão famosa lazarina que não espalhava chumbo. Sempre tem que ter um desculpado nessas histórias, ou foi o vento, o animal foi rápido e assim por diante. Mas antes que me perguntem o que esse tal farolete tem haver com o canto do galo, que era o foco inicial dessa história. Basta ter paciência e observa o resto do raconto.
     Na primeira caçada do compadre do Arruda com sua lanterna nova já deu muito o que falar. Ele estava no mutá, ouvindo os rastros de uma paca. Pra quem não sabe nade de caçada, assim como eu, fui pesquisar, perguntar para quem está acostumado nessa atividade, o que era um mutá. Explicaram-me que se tratava de local, feito entre duas árvores, não muito grandes, nas quais se colocam, entre elas galhos fortes, tipo um trave de futebol, só que com o travessão com dois ou mais galhos, onde o caçador fica no alto, esperando sua caça. Pois bem, lá de cima ele ouviu a paca na comidia, armou a espingarda – calibre 20 –, colocou a lanterna em cima da espingarda e mirou, segurando-as juntas. Mas para sua surpresa, quando ligou o artefato luminoso, um raio de luz muito forte foi em cheio na cara da paca, assando-a na hora, isso mesmo, nem foi preciso apertar o gatilho, a paca morreu com a cara toda queimada. Acontece que essa lanterna nova do compadre do Arruda foi projetada, com apenas 72 elementos, isso mesmo 72 pilhas. Calculando... 72 vezes 1,5 volts, dá mais ou menos 108 v. Uma boa potência! Não é? Não me perguntem como ele conseguia carregá-la, pois isso faz parte do encanto da narrativa, mas ela tinha tanta potência que queimava tudo o que focava.
     Desde essa primeira experiência com a lanterna, o compadre do Arruda ia caça e já não levava mais a espingarda. Matava pássaros, cutia, veado, queixada, até onça ele matou com sua lanterna megaultrapowerpotente e trazia suas caças tudo assado.
     Ah, sim! Já ia esquecendo do galo. Pois é, essa foi a explicação que o Arruda deu para seu colegas de rodada. É que quando seu compadre ligou a lanterna, devia estar focando em algum macaco prego, lá onde caçava, a uns dez quilômetros dali, confundiu o galo que pensou estar atrasado em suas obrigações deixado por Deus, e começou a cantar desesperadamente atiçando os outros.