quinta-feira, 3 de março de 2011

Outras histórias Marajoaras

A lanterna do compadre do Arruda

     Todos se espantaram quando o galo cantou tamanha nove horas da noite. Ainda estavam todos numa roda de conversa, daquelas depois do trabalho. Acharam estranho, como um galo poderia se enganar em sua função primeira, que é despertar o homem trabalhador na hora exata, antes mesmo do sol mostra seus primeiros raios? Mas o Arruda veio logo com explicação para tal devaneio daquele galináceo cantador, cujo canto desencadeou um coro eufórico de outros de sua espécie e foi uma cantoria geral, como se fosse cinco da matina. Só pode ser meu compadre!  Comentou o Arruda.
     - Como assim teu compadre, Arruda? Indagou o colega de copo.
     - Ele disse que ia caçar hoje! Respondeu nosso “herói”!
     - Mas o que a caçada dele tem haver com o canto do galo? Quis saber outro amigo.
     O compadre do Arruda é mais cheio de presepada que o próprio. Sempre que ia caça levava uma lanterna que ele mesmo fizera, depois de muitas “erradas”, por causa de outra, toda velha e descascada, resolveu montar uma que tivesse muita potencia e um foco que não o fizesse errar mais nenhum tiro. Assim como seu compadre, era um exímio caçador. Contudo de uns tempos pra cá errava o bicho a um palmo. Culpava a lanterna, claro. Já viram algum caçador assumir que errou um tiro de tão perto – só quem não errava um tiro era Alexandre, personagem daquele escritor famoso, que tinha a tão famosa lazarina que não espalhava chumbo. Sempre tem que ter um desculpado nessas histórias, ou foi o vento, o animal foi rápido e assim por diante. Mas antes que me perguntem o que esse tal farolete tem haver com o canto do galo, que era o foco inicial dessa história. Basta ter paciência e observa o resto do raconto.
     Na primeira caçada do compadre do Arruda com sua lanterna nova já deu muito o que falar. Ele estava no mutá, ouvindo os rastros de uma paca. Pra quem não sabe nade de caçada, assim como eu, fui pesquisar, perguntar para quem está acostumado nessa atividade, o que era um mutá. Explicaram-me que se tratava de local, feito entre duas árvores, não muito grandes, nas quais se colocam, entre elas galhos fortes, tipo um trave de futebol, só que com o travessão com dois ou mais galhos, onde o caçador fica no alto, esperando sua caça. Pois bem, lá de cima ele ouviu a paca na comidia, armou a espingarda – calibre 20 –, colocou a lanterna em cima da espingarda e mirou, segurando-as juntas. Mas para sua surpresa, quando ligou o artefato luminoso, um raio de luz muito forte foi em cheio na cara da paca, assando-a na hora, isso mesmo, nem foi preciso apertar o gatilho, a paca morreu com a cara toda queimada. Acontece que essa lanterna nova do compadre do Arruda foi projetada, com apenas 72 elementos, isso mesmo 72 pilhas. Calculando... 72 vezes 1,5 volts, dá mais ou menos 108 v. Uma boa potência! Não é? Não me perguntem como ele conseguia carregá-la, pois isso faz parte do encanto da narrativa, mas ela tinha tanta potência que queimava tudo o que focava.
     Desde essa primeira experiência com a lanterna, o compadre do Arruda ia caça e já não levava mais a espingarda. Matava pássaros, cutia, veado, queixada, até onça ele matou com sua lanterna megaultrapowerpotente e trazia suas caças tudo assado.
     Ah, sim! Já ia esquecendo do galo. Pois é, essa foi a explicação que o Arruda deu para seu colegas de rodada. É que quando seu compadre ligou a lanterna, devia estar focando em algum macaco prego, lá onde caçava, a uns dez quilômetros dali, confundiu o galo que pensou estar atrasado em suas obrigações deixado por Deus, e começou a cantar desesperadamente atiçando os outros.

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