quinta-feira, 21 de abril de 2011

Outras histórias majoaras


“O se faz aqui, ainda se paga aqui!”

Não sei por que quando se é criança a gente gosta de desafiar os mais velhos. Talvez seja o fato de acharmos que sabemos aquilo que não sabemos. Isso é completamente normal para o ser humano, pois nós aprendemos com nossos erros. Não que desafiar outros signifique, propriamente, um erro, às vezes é necessário o confronto, o choque de opiniões para se acabar com certas injustiças. Entretanto, certos afrontamentos com os mais velhos podem mais tarde, muito mais tarde, se tornarem castigos. Como diz o velho ditado popular: “pagar na mesma moeda”. Aconteceu algo parecido aqui no Marajó.
Tio Juca era um senhor de idade e com dificuldade para enxergar. Numa manhã chuvosa, ele foi a um comércio, no qual trabalhava um rapaz esperto e “cheio de graça”. O ancião chegou ao estabelecimento, tirou as botas para poder entrar, pegou um tabaco de onça na prateleira empoeirada e foi pagar.  Meteu a mão no bolso da camisa com aquela dificuldade que todo idoso tem, puxou o dinheiro do bolso, trouxe a mão para bem perto do rosto, apertou os olhos para ver melhor a nota. Dez reais. Foi aí que o rapaz confirmou o que havia dito anteriormente a seu respeito. Falou, com ar de deboche, para o pobre velho:
- Ei tio, eu pensei que pra gente enxergar, a gente abria o olho e não fechasse!
No exato momento em que o jovem acabou a caçoada, Tio Juca lembrou-se de um caso que acontecera com ele há muito tempo atrás.
Tinha mais ou menos dez anos quando aconteceu o tal caso.  Seu pai pediu-lhe para ir à taberna comprar uns condimentos que faltavam para o almoço. O menino retrucou o mandado, pois estava saindo com uns amigos para jogar bola. O pai mandou a segunda vez, já com a ameaça de que se não fosse levaria uns cascudos. Revolveu ir. Batia os pés com força no chão, resmungava coisas que ninguém nesse mundo entendia e foi andando. Dizem que as crianças marajoaras são mais arredias e teimosas que outras e que gostam de se aventurar em meio aos búfalos, tomar banho em rampas – grandes buracos feitos por máquinas para tirar piçarra e que são inundadas no inverno – e isso é bem verdade. Nossos “bacuris” são, certas vezes, mal criados, mas são apenas crianças. Nada que umas boas palmadas, na hora certa, não resolvam.
 Bom! Seu pai havia pedido que comprasse uma cabeça de alho, um pacote de pimenta-cominho, uma quarta de óleo, uns ovos e dois quilos de farinha.
Chegando lá fez o pedido e aguardou com aparente impaciência a paciência secular do taberneiro, um senhor de idade e com certa dificuldade de enxergar. Talvez vós não saibais da dificuldade de hoje – século XXI – para se conseguir um médico oculista aqui na nossa região, imaginem naquela época. Quando se quer resolver o problema da falta de óculos, procura-se um parente que tenha uns usados, sem uma perna, talvez, ou bastante danificados e que, às vezes, nem é o grau que a pessoa precisa, mas coloca-se um elástico de roupa e pronto já dá para “quebra o galho”. Isso era o que acontecia com o pobre senhor taberneiro. Os óculos caiam-lhe do rosto. Sabe-se lá de quem era aquele fundo de garrafa o qual usava. Juquinha perscrutava o semblante do velho e não entendia, ainda, do assunto. Achava que o velho estava fazendo manha ou era lerdo ou preguiçoso. Será que esse velho lerdo vai demorar, tenho que voltar pro jogo. Pensava com gestos e atitudes.
Depois de ser atendido, puxou do bolso as moedas que lhe foram dadas e que somavam cinquenta cruzeiros. Vou dar só a metade pra esse velho! Ele não enxerga mesmo! Pensou o menino, percebendo que a deficiência do velho taberneiro era muito mais séria do que pensava. Já dava para comprar um pião daquele rachador com os vinte e cinco que sobravam. Acho que vai dá certo, elucubrou o menino. Então colocou em prática o que havia planejado. O míope taberneiro pegou as moedinhas e, para ver melhor o quanto o moleque havia lhe dado, trouxe a mão para perto do rosto. Foi nesse momento que Juquinha, percebendo a chance de enganar definitivamente o pobre senhor, soltou a frase debochante:
- Eu pensei que pra gente vê, a gente abria o olho e não fechava! E deu uma gargalhada assustadora!
O pobre velho envergonhado guardou as moedas na gaveta e disse que estava tudo certo.
Juquinha saiu feliz da vida com o pequeno golpe que aplicara. Deixou as comprinhas na sua casa e foi se encontrar com seus amigos. Chegando lá, se vangloriava do feito.  Para ele, um ato heróico clássico.
Mas voltando aos dias atuais! Tio Juca saiu do comércio, foi para sua casa e pediu para o neto conferir o troco que recebera do moço do caixa. E pra sua surpresa, havia uma nota de dois reais e uma moeda de cinqüenta centavos, e o tabaco de onça custava dois e cinquenta.



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